55. Da corrupção da natureza e da eficácia da graça divina
- A ALMA: Senhor, meu Deus, que me criastes à vossa imagem
e semelhança, concedei-me a graça que declarastes ser tão importante
e necessária para a salvação: que eu vença minha péssima natureza,
que me arrasta ao pecado e à perdição. Porque sinto em minha carne
a lei do pecado, que é contrária à lei do espírito e me cativa, querendo
me levar a obedecer, em muitas coisas, à sensualidade; nem poderei
resistir às paixões, se não me assistir vossa santíssima graça, e
me inflamar o coração.
- É necessária vossa graça, e grande graça, para vencer a natureza,
propensa sempre ao mal desde a infância. Porque, viciada pelo primeiro
homem, Adão, e corrompida pelo pecado, transmite a todos os homens
a pena desta mancha, de sorte que a mesma natureza, por vós criada
boa e reta, agora deve ser considerada como enferma e enfraquecida
pela corrupção, visto que seus movimentos, abandonados a si mesmos,
a arrastam ao mal e às coisas baixas, Porque a módica força que lhe
ficou é como uma centelha oculta debaixo da cinza. Esta centelha é
a razão natural, que, embora envolta em densas trevas, discerne ainda
o bem do mal, a verdade do erro, mas não é capaz de fazer tudo que
aprova, já que não possui a plena luz da verdade, nem a primitiva
pureza de seus afetos.
- Daí vem, ó meu Deus, que "segundo o homem interior me deleito
em vossa lei" (Rom 7, 22), sabendo que vosso mandato é bom,
justo e santo, que reprova todo mal e ensina que se deve fugir ao
pecado. Segundo a carne, porém, estou escravizado à lei do pecado,
pois obedeço mais à sensualidade que à razão. Daí vem que "tenho
vontade de fazer o bem, mas não sei realizá-lo" (Rom 7, 18).
Por isso faço muitos bons propósitos, mas faltando-me vossa graça
que auxilie minha fraqueza, com o menor obstáculo desfaleço e desisto.
Assim sucede que bem conheço o caminho da perfeição e vejo claramente
o que devo fazer. Entretanto, oprimido com o peso da corrupção, não
me elevo ao que é mais perfeito.
- Oh! Como me é necessária, Senhor, vossa graça, para começar, continuar
e completar o bem. Porque sem ela nada posso fazer, mas tudo posso
em vós, se me confortar vossa graça, Ó graça verdadeiramente celestial,
sem a qual nada valem os próprios merecimentos, nem apreço merecem
os dons naturais! Nada valem diante de vós, Senhor, as artes e a riqueza,
a formosura e a fortaleza, o engenho e a eloqüência - sem a graça.
Porque os dons da natureza são comuns aos bons e aos maus; mas a graça
ou caridade é peculiar dos escolhidos, porque os torna dignos da vida
eterna. Tão excelente é esta graça, que nem o dom da profecia, nem
o poder de fazer milagres, nem a mais alta contemplação tem valor
algum sem ela. Nem mesmo a fé, nem a esperança, nem as outras virtudes
vos agradam, sem a graça e sem a caridade.
- Ó graça beatíssima, que fazes rico de virtudes o pobre de espírito
e tornas humilde de coração o rico dos bens de fortunas: vem, desce
sobre mim e enche minha alma de tua consolação, para que não desfaleça,
de cansaço e aridez, meu espírito. Suplico-vos, Senhor, que eu ache
graça em vossos olhos, porque me basta a vossa graça, embora me falte
tudo que deseja a natureza. Ainda que seja tentado e vexado com muitas
tribulações, nada temerei, enquanto estiver comigo a vossa graça.
Ela é a minha fortaleza, me dá conselho e amparo. Ela é mais poderosa
que todos os inimigos e mais sábia que todos os sábios.
- Ela é a mestra da verdade e da disciplina, a luz do coração e o alívio
nas tribulações; ela afugenta a tristeza, dissipa o temor, nutre a
devoção, gera santas lágrimas. Que sou eu sem a graça, senão um lenho
seco e um tronco inútil, que se atira ao fogo? Previna-me, pois, Senhor,
a vossa graça e me acompanhe sempre e me conserve continuamente na
prática das boas obras, por Jesus Cristo, vosso Filho. Amém.
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